Em 13/02/2025, no Dia Mundial da Rádio, o ex Sec. de Estado dos Assuntos Parlamentares Carlos Abreu Amorim anunciou pelo Governo o inicio «para muito em breve» de emissões teste de rádio digital DAB+ em Lisboa e no Porto. O DAB+ é o sistema de rádio digital já adotado pela maioria dos países europeus e não só.
No entanto, rapidamente constatámos que as coisas não estavam a correr bem. A nossa preocupação aumentou com a ausência de qualquer referência ao DAB+ no aniversário dos 90 anos da Rádio Pública. Até à data não se realizaram quaisquer emissões e nada mais foi divulgado a respeito do assunto.
De facto, a RTP não confirma qualquer aquisição de equipamento necessário para o inicio das emissões. Inquirida a respeito das emissões teste, a provedora do ouvinte consultou a Direção de Engenharia, Sistemas e Tecnologia da RTP e respondeu:
"Os equipamentos utilizados estão completamente obsoletos e inoperacionais, assim, estamos a falar da aquisição de raiz da totalidade dos equipamentos necessários à emissão (não se trata unicamente dos emissores). A velocidade da evolução tecnológica obriga a uma avaliação do quadro internacional sistemática. Qualquer decisão no sentido de proceder à instalação de uma rede de DAB+ em Portugal, requer um estudo cuidado e envolve um investimento muito avultado. Entendemos que a aposta neste tipo de distribuição, caso se venha a entender-se como positiva, deverá ser um movimento comum do sector, e não apenas de um operador.”
(...) qualquer decisão em avançar com o relançamento da rádio digital em Portugal passará sempre pela Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM), a entidade que regula o mercado das comunicações em Portugal, e que gere o espectro radioelétrico.
Esta resposta não convence e por si só suscita várias questões:
Aquisição da totalidade dos equipamentos?
Até as antenas e os cabos? Não. As instalações já existem. A energia elétrica, o sistema de backup e o ar condicionado estão instalados. Está quase tudo pronto. Falta comprar dois emissores e um multiplexer.
Instalação de uma rede de DAB+ em Portugal?
Não se trata disso! Por enquanto, trata-se apenas de dois emissores para emissões teste!
Deverá ser um movimento comum do sector, e não apenas de um operador?
O Sr. Sec. de Estado afirmou que várias rádios fariam parte do teste e que o custo seria suportado por elas. Essa afirmação pressupõe um acordo prévio.
Mas a RTP indiretamente refere a ausência de acordo entre as rádios e "passa a batata quente" para a ANACOM. Recordo que (após intervenção do blogue TDT em Portugal) a ANACOM afirmou:
Relativamente aos contributos sobre o sistema DAB+, assinala-se que a ANACOM tem continuado a acompanhar a matéria e os desenvolvimentos a nível europeu. Não obstante, informa-se que a banda III (174 – 230 MHz) continua reservada para serviços de radiodifusão em Portugal, onde se incluem as aplicações T-DAB. A ANACOM admite, tal como o fez no Relatório da consulta pública sobre o Plano Plurianual de Atividades 2025-2027, que a introdução do DAB/DAB+ poderá trazer benefícios para a atividade de rádio tendo em conta a falta de disponibilidade de frequências FM (87,5 – 108 MHz), uma vez que estas já se encontram maioritariamente atribuídas e em utilização. A ANACOM terá em devida consideração manifestações de interesse pelo mercado, ponderando possíveis medidas a adotar e respetivos benefícios e desvantagens, no âmbito das suas competências e em articulação com demais entidades competentes.
Recordo que está estipulado no contrato de serviço público que a RTP tem o dever de inovação e de desenvolvimento tecnológico:
«A Concessionária recorre a tecnologias, técnicas e equipamentos inovadores que proporcionem a diversificação dos modos de oferta, bem como a melhoria da qualidade e eficiência do serviço público de media…».
A inovação tecnológica em rádio traduz-se na rádio digital DAB+, que as suas congéneres da União Europeia estão a adotar!
Em Espanha, Itália, Reino Unido e muitos mais países a rádio pública tem liderado a inovação na rádio. Não desistem da rádio, investem no seu futuro. Como é possível ter à frente das rádios públicas quem toma decisões que põem em causa o seu futuro, recusando o projeto Europeu de uma melhor rádio para todos?
Em Portugal o serviço público foi instrumental no fracasso da TDT e agora quer fazer o mesmo com a rádio?!
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| Países com emissões de rádio digital DAB+ |
Importa referir que o anúncio dos testes DAB+ foi feito numa rádio universitária (RUA). Nenhum dos órgãos de comunicação social ditos "mainstream" divulgou a noticia. Enviei três mensagens para o dep. de informação da RTP (incluindo o diretor de informação) questionando o porquê do silêncio a respeito deste assunto. Como esperava, até à data não obtive resposta.
O DAB+ voltou a ser falado na sede da Associação Portuguesa de Radiodifusão (APR) em 1/03/2025 pelo então Sec. de Estado dos Assuntos Parlamentares Carlos Abreu Amorim, que referiu a situação do DAB+ na Europa e as vantagens do sistema, como a sua valência para a Proteção Civil para a qual o blogue tem chamado a atenção, nomeadamente à ANACOM.
Curiosamente, não existe qualquer referência a esse assunto no site da APR. Mais, em Novembro contactámos a APR:
Ex.mos Srs,
Gostaríamos de conhecer em que fase está o projeto das emissões teste em DAB+ anunciadas pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares Carlos Abreu Amorim, na sede da APR em 01.03.2025.
E recebemos a seguinte resposta:
Na sequência dos esclarecimentos solicitados, cumpre-nos informar que essa é uma matéria da exclusiva responsabilidade do Governo, e na qual a APR não está, nem nunca esteve, envolvida, pelo que não dispomos de qualquer informação relativa a essa processo.
Achamos estranho que a APR afirme não estar envolvida quando a maioria das rádios nacionais são membros da APR, entre elas as rádios públicas, a TSF a Observador e as rádios do grupo BAUER (R. Comercial, M80, etc).
Mais, a APR como noticiámos, apresentou recentemente uma proposta que pretendia envolver as rádios locais e regionais como "agentes" da Proteção Civil, uma função que a rádio DAB+ pode desempenhar melhor através do sistema ASA (Automatic Safety Alert System) e para o qual chamámos a atenção da ANACOM, mas não só.
No dia 5 de Junho o Sec. de Estado Carlos Abreu Amorim foi promovido a Ministro dos Assuntos Parlamentares e a tutela do audiovisual transitou para o Ministério da Presidência, em coordenação com o Ministério da Economia e da Coesão Territorial e o Ministério da Cultura, Juventude e Desporto.
Contactámos o Ministério da Presidência onde chamámos a atenção para as inúmeras vantagens da adoção do DAB+ para o país, sugerimos apoios e solicitámos informação sobre o andamento do projeto. Até à data não recebemos resposta. Contactámos também o PS que respondeu e agradeceu a «especificidade técnica da informação enviada» que terá sido «de grande aprendizagem».
Como se pode constatar, NADA foi feito. Provavelmente nada ficou escrito. E assim, se houve algum acordo entre o Governo a as rádios, parece-nos que ficou o dito por não dito.
Para comprar e instalar dois emissores não são necessários dez meses. Infelizmente tudo indica que o projeto está parado e muito provavelmente não haverá rádio digital DAB+ em Portugal!
Recordo que em várias ocasiões propusemos a difusão das principais rádios através da TDT (como sucede em vários países), possibilitando a receção fixa em digital com grande qualidade, mas nem isso foi aceite, apesar de haver espaço no multiplex.
Se o espectro do FM está lotado e o DAB+ tem custos de operação muito mais baixos, resta então perceber porque é que as rádios portuguesas não querem o DAB+. A resposta só pode ser: medo da CONCORRÊNCIA.
Devido à elevada eficiência espectral do sistema digital DAB+, se o mesmo for adotado existirá espaço (espectro rádio) para muitas mais rádios. E poderá ser esse o receio dos grupos de media que já operam em Portugal, a possibilidade de mais concorrência.
Mas a rejeição da rádio digital só é possível em parte porque há rádios que poderão estar a contornar a lei criando redes nacionais em FM através da "absorção" de rádios locais. Isto passa-se com a autorização da ERC. A essa realidade fiz referência em consultas públicas da ANACOM. O próprio ex Sec. de Estado afirmou que isso configurava «fraude à lei». Mas se é "fraude à lei" o Governo não faz nada?
O Lobby é das poucas "instituições" que funciona bem em Portugal. Não seria a primeira vez que os grupos de media presentes no mercado conseguem impedir a concorrência. Recordamos que a TDT só chegou a Portugal porque foi imposta pela União Europeia e os grupos privados (com a cumplicidade da televisão pública) tudo fizeram para que a oferta de canais fosse a mesma da TV analógica.
Agora e mais uma vez parece-nos que os interesses de alguns se sobrepõem aos interesses da maioria. O Governo deve-nos uma resposta!
No primeiro post deste blogue terminei afirmando:
«Esperemos que o processo seja conduzido de forma séria e competente para que não termine noutro fracasso digital.»
Em Portugal, aparentemente isso é pedir demais! Depois da vergonha da TDT, este é mais um episódio triste no áudio-visual português. Pior, estas situações são sintoma de Governos fracos e de um Estado fraco.
Infelizmente, a rádio será mais um indicador em que Portugal será ultrapassado por todos os países da União Europeia. Somos um país que não perde uma oportunidade de ficar parado enquanto os outros avançam...
Entrevista do ex Sec. de Estado Carlos Abreu Amorim:
O discurso do ex Sec. de Estado na APR pode ser visionado aqui.
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